Nota do blog: Este é o primeiro de uma série de três sermões que abordam o quarto mandamento. A sua relevância é óbvia: este é, talvez, o mais negligenciado dos mandamentos nos nossos dias. Em breve, espero postar os dois sermões restantes neste blog.]
1 Coríntios 16: 1, 2
“Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.”
Encontra-se mencionada, com frequência, no Novo Testamento, uma coleta, feita pelas igrejas gregas para os irmãos da Judeia, que estavam reduzidos a uma aguda necessidade devido a uma fome que então prevalecia, e que era ainda mais crítica para eles devido a suas circunstâncias, tendo sido, desde o início, oprimidos e perseguidos pelos judeus incrédulos. Esta coleta, ou contribuição, é mencionada duas vezes no livro de Atos (11. 28-30 e 24. 17). Também é notada em diversas epístolas, como em Rm 15. 26 e em Gl 2. 10. Mas, é mais amplamente insistida nestas duas epístolas aos coríntios. Na primeira, no capítulo 16, e na segunda, capítulos 8 e 9. O apóstolo inicia suas instruções, que aqui ele entrega com relação a este assunto, com as palavras do nosso texto, no qual observamos:
1. Qual é o dever que o apóstolo os instrui a fazer: o exercício e a manifestação de caridade para com seus irmãos, repartindo com eles, para o suprimento de suas necessidades. Isto foi, com frequência, insistido por Cristo e pelos apóstolos como um dever primordial da religião cristã, e é assim expressamente declarado o ser pelo apóstolo Tiago, no cap. 1. 27: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações.”
2. Observamos o tempo em que o apóstolo os orienta que isto seja feito, isto é, “no primeiro dia da semana.” Pela inspiração do Espírito Santo, ele insiste nisso, que seja feito nesse dia específico da semana, como se nenhum outro fosse tão bom, ou tão apropriado e adequado para tal Obra. Assim, embora o apóstolo inspirado não devesse fazer aquela distinção de dias, nos tempos do evangelho, que os judeus faziam, como aparece em Gl 4. 10: “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos.” etc., contudo, aqui, dá preferência a um dia da semana, antes de qualquer outro, para a realização de certo dever grandioso do cristianismo.
3. Pode ser observado que o apóstolo ordenou às outras igrejas, que estavam concentradas no mesmo dever, que o fizessem no primeiro dia da semana, 1 Co 16:1: “fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia.” Daí, podemos aprender que não havia nada peculiar às circunstâncias dos cristãos em Corinto, que fosse a razão pela qual o Espírito Santo insistiu que a coleta fosse realizada neste dia da semana. Paulo havia dado ordens semelhantes às igrejas da Galácia.
Ora, a Galácia era muito distante de Corinto. O mar as separava, e havia muitos países entre elas. Portanto, não se pode pensar que o Espírito Santo orientasse-os nesse sentido por motivos seculares, observando circunstâncias particulares do povo dessa cidade, mas sim por motivos religiosos. Ao dar a preferência a este dia da semana para tal obra, antes de qualquer outro, Ele tem em vista algo que alcança a todos os cristãos, em todos os lugares.
E, por outras passagens do Novo Testamento, aprendemos que a situação era a mesma para outros exercícios da religião, e que o primeiro dia da semana tinha preferência a qualquer outro dia, nas igrejas imediatamente sob o cuidado dos apóstolos, para o atendimento dos exercícios da religião em geral. At 20. 7: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite.” Por estas coisas, parecia acontecer com os cristãos primitivos, nos dias apostólicos, com relação ao primeiro dia da semana, o mesmo que com os judeus, com respeito ao sétimo.
É-nos ensinado por Cristo que o dar esmolas e mostrar misericórdia são obras apropriadas para o Shabbath. Quando os fariseus culparam a Cristo por permitir que seus discípulos colhessem espigas e as comessem no Shabbath, Cristo os corrige com o ditado: “Misericórdia quero e não holocaustos,” e ensina que as obras de misericórdia são adequadas para o Shabbath (Lc 13. 15, 16 e 14. 5). Estas obras costumavam ser feitas nos festivais sagrados e nos dias de júbilo, no Antigo Testamento, como na época de Neemias e Ester: Ne 8. 10 e Es 9. 19, 22. Josefo e Filo, dois judeus muito distintos, escrevendo não muito tempo depois de Cristo, relatam que era o costume entre os judeus, no Shabbath, fazer coletas para usos sagrados e piedosos.
DOUTRINA
É a intenção e vontade de Deus que o primeiro dia da semana deva ser especialmente separado entre os cristãos para os exercícios e deveres religiosos.
Que esta seja a doutrina que o Espírito Santo queria nos ensinar, por esta e algumas outras passagens do Novo Testamento, espero que pareça claro pela sequência. Esta é a doutrina em que fomos geralmente educados pelas instruções e exemplos de nossos pais; e esta tem sido a profissão geral do mundo cristão, que este dia deva ser religiosamente observado e distinguido dos demais dias da semana.
Contudo, alguns o negam. Alguns se recusam a observar o dia, como [se fosse] diferente dos demais. Outros concedem que seja um costume louvável da igreja cristã, no qual ela se apegou por consenso, e pelo apontamento de seus líderes comuns, que este dia fosse separado para o culto público. Mas negam que haja qualquer outra origem para o dia, senão o prudente apontamento humano. Outros observam religiosamente o Shabbath judaico, como de perpétua obrigação, e exigem um fundamento para determinar que este tenha sido ab-rogado, e outro dia da semana indicado no lugar do sétimo.
Todas estas classes de homens dizem que não há clara revelação de que seja a intenção e vontade de Deus que o primeiro dia da semana deva ser observado como um dia a ser separado para exercícios religiosos, no lugar do sétimo. Isto deveria acontecer [segundo eles], para que a igreja cristã o observasse como uma instituição divina. Dizem que não podemos nos ater às tradições dos tempos antigos, ou às incertezas e inferências especulativas de algumas passagens históricas do Novo Testamento, ou à algumas dicas obscuras e incertas nos escritos apostólicos. Mas, deveríamos esperar alguma instituição clara, a qual, dizem, podemos concluir que Deus nos daria, se fosse seu desígnio que toda a Igreja cristã, em todas as eras, devesse observar outro dia da semana como um santo Shabbath, em lugar do antigo, que foi apontado por clara e positiva instituição.
Assim, pois, é indubitavelmente verdadeiro que, se esta for a intenção e vontade de Deus, Ele não deixou a matéria para a tradição humana, mas revelou sua intenção sobre ela na Sua palavra, de forma a poder ser encontrada boa e substancial evidência que esta seja Sua intenção. E, sem dúvidas, a revelação é clara o suficiente para quem tem ouvidos para ouvir, isto é, para os que, com justiça, exercitarem seus entendimentos acerca do que Deus lhes fala. Nenhum cristão, portanto, deveria descansar enquanto não houver satisfatoriamente descoberto a vontade de Deus nessa matéria. Se o sábado cristão for uma instituição divina, é, sem dúvidas, de grande importância para a religião que ele seja guardado. Portanto, que cada cristão esteja bem familiarizado com a instituição.
Se os homens apenas têm confiança, e guardam o primeiro dia da semana porque seus pais os ensinaram, ou porque veem os outros fazendo, jamais serão propensos a guardá-lo tão consciente ou estritamente como o fariam, se fossem convencidos, ao verem por si mesmos, que há boa base na palavra de Deus para a sua prática. A menos que, de fato, vejam por si, quando forem negligentes em santificar o Shabbath, ou culpados de profaná-lo, suas consciências não terão a vantagem de afetá-los por isso, como fariam se fosse o contrário. E os que têm um desejo sincero de obedecer a Deus em todas as coisas, guardarão o Shabbath mais cuidadosa e alegremente, se houverem visto e sido convencidos que, nisso, agem de acordo com a vontade e ordenança de Deus, e com o que é aceitável a Ele. E terão, também, muito mais conforto ao refletir sobre haverem cuidadosa e dolorosamente guardado o Shabbath.
Portanto, é meu desígnio, com o auxílio de Deus, mostrar que está suficientemente revelado nas Escrituras ser a intenção e vontade de Deus que o primeiro dia da semana deva ser separado na Igreja cristã dos outros dias, como um Shabbath, para ser devotado a exercícios religiosos.
A fim de fazer isto, parto da premissa de que a intenção e vontade de Deus, com relação a qualquer dever a ser realizado por nós, podem ser suficientemente reveladas na sua palavra, sem um preceito específico, com muitos termos expressos, ordenando-as. O entendimento humano é o ouvido ao qual a Palavra de Deus é falada; e, se ela for falada de tal maneira que esse ouvido possa claramente escutá-la, é o suficiente. Deus é soberano na maneira em que declara a Sua vontade, quer a fale em termos expressos, quer a fale ao dizer diversas outras coisas que a impliquem, e pelas quais, quando comparamos [essas coisas], claramente percebamos [sua vontade]. Se a vontade de Deus não é senão a revelada, e se não for meramente o meio suficiente para a comunicação de sua vontade a nós, isso é o suficiente, quer ouçamos diversas palavras expressas com nossos ouvidos, ou as vejamos com nossos olhos, quer vejamos a coisa que Ele quer nos dizer pelo olho da razão e do entendimento.
Quem pode positivamente dizer que, se houvesse sido a vontade de Deus que guardássemos o primeiro dia da semana, Ele o teria ordenado em termos expressos, como o fez com a observância do antigo sétimo dia? Na verdade, se Deus assim houvesse criado nossas faculdades, que não fôssemos capazes de receber uma revelação de Sua vontade de outra maneira, então haveria alguma razão em afirmar isto. Mas Deus nos deu tal entendimento, que somos capazes de receber uma revelação quando é feita de maneira diversa. E, se Deus lida conosco concordemente com nossas naturezas, e de maneira adequada a nossas capacidades, é o suficiente. Se Deus desvenda sua vontade de outra maneira qualquer, desde que seja de acordo com nossas faculdades, somos obrigados a obedecê-la; e Ele deve esperar nosso reconhecimento e observância de Sua revelação, da mesma maneira como se a houvesse revelado em termos expressos.
Falarei sobre este assunto usando as seguintes proposições gerais:
1. É suficientemente claro que é a vontade Deus que um dia da semana deva ser devotado ao descanso, e aos exercícios religiosos, por todas as eras e nações.
2. É suficientemente claro que, sob a dispensação do evangelho, este dia é o primeiro dia da semana.
1ª Proposição: é suficientemente claro que é a vontade Deus que um dia da semana deva ser devotado ao descanso e aos exercícios religiosos, por todas as eras e nações, e não apenas entre os antigos israelitas, até que Cristo viesse, mas até mesmo nos tempos evangélicos, e entre todas as nações que professam o cristianismo.
1. A partir da natureza e estado da humanidade neste mundo, é muito harmonioso à razão humana que certas partes fixas do tempo sejam separadas para ser gastas integralmente pela igreja em exercícios religiosos, e nos deveres do culto divino. É um dever imprescindível de toda humanidade, em todas as épocas, sem exceção, adorar e servir a Deus. Seu serviço deve ser nossa maior ocupação. Devemos adorá-lO com a maior devoção e envolvimento de mente; e, portanto, devemos nos colocar, em tempos apropriados, nas circunstâncias que mais contribuem para tornar nossas mentes inteiramente devotadas a este serviço, sem que sejam desviadas ou interrompidas por outras coisas.
O estado da humanidade neste mundo é tal que somos chamados a nos ocupar em negócios e assuntos seculares, que, necessariamente, e em um grau considerável, tomarão nossos pensamentos e exigirão a atenção da mente. Contudo, algumas pessoas em particular, podem estar em circunstâncias mais livres e desobrigadas. Porém, o estado da humanidade é tal que a vasta maioria dela, em todas as eras e nações, é chamada ordinariamente a exercitar seus pensamentos acerca de assuntos seculares, e seguir os negócios mundanos que, por sua própria natureza, são remotos dos deveres solenes da religião.
É, portanto, muito conveniente e adequado que certas partes do tempo sejam separadas, nas quais seja exigido que os homens deixem de lado todas as preocupações, para que suas mentes possam estar mais livres e inteiramente engajadas nos exercícios espirituais, nos deveres da religião e no culto imediato de Deus. E suas mentes, estando desobrigadas das preocupações comuns, não misturem estas com sua religião.
Também é conveniente que estes tempos sejam fixos e estabelecidos, para que a Igreja concorde neles, e que sejam os mesmos para todos, para que não venham interromper uns aos outros, mas possam mutuamente assistir-se por exemplo comum. Pois o exemplo tem grande influência em tais casos. Se houver tempo separado para o júbilo público, e houver uma manifestação geral de alegria, o exemplo geral parece inspirar os homens com um espírito de alegria – um incendeia o outro. Da mesma forma, se é tempo de lamentação, e houver mostras e manifestações gerais de luto, isto naturalmente afeta a mente e a dispõe à depressão, lança um abismo sobre ela e a torna, por assim dizer, apática, mortificando os espíritos. Portanto, se certo tempo for separado como santo, para a devoção geral, e para os solenes exercícios religiosos, um exemplo geral tende a tornar o espírito sério e solene.
2. Sem dúvidas, uma proporção de tempo é melhor e mais apta que outra para este propósito. Uma proporção é mais adequada para o estado da humanidade, e terá maior tendência a responder ao propósito de tais tempos, que outra. Os tempos podem ser muito separados entre si. Acho que a razão humana é suficiente para determinar que seria muito escasso para os propósitos de tempos tão solenes que fossem apenas uma vez no ano. Da mesma forma, concluo, ninguém negará que estes tempos não podem ser muito próximos entre si, para não serem inconvenientes com o estado e assuntos necessários da humanidade.
Portanto, não pode haver dificuldade em concordar que uma determinada proporção de tempo, quer a possamos determinar ou não, seja realmente mais adequada e melhor (considerando o fim para o qual se mantém tais tempos, a condição, circunstâncias e assuntos necessários dos homens, e considerando qual é o estado da humanidade, ao comparar uma era e nação com a outra) e mais conveniente que outra qualquer. Isto Deus pode saber e determinar com exatidão, embora nós, devido à escassez de entendimento, não possamos.
Assim como uma certa frequência de retorno destes tempos possa ser mais adequada que outra, da mesma maneira a extensão ou continuidade deles pode ser mais conveniente que outra, a fim de responder ao propósito de tais tempos. Se eles, quando viessem, não durassem senão uma hora, não responderiam bem ao seu fim; pois, assim, as coisas mundanas se empilhariam muito próximas aos exercícios sagrados, e não haveria oportunidade de manter a mente tão completamente livre e desobrigada de outras coisas, como seria o caso se o tempo fosse mais longo. Estando tão próximas, as coisas sagradas e profanas seriam, por assim dizer, misturadas. Portanto, uma certa distância entre estes tempos, e uma certa continuidade deles quando vierem, são mais apropriadas que outras. Isto Deus sabe e é capaz de determinar, embora nós, talvez, não possamos.
3. Não é razoável supor nada mais, a não ser que os dias em que Deus trabalhou, descansando no sétimo e o consagrando e santificando, devia servir de modelo para determinar esta matéria, e que foi escrito para que a prática da humanidade em geral pudesse ser, de uma maneira ou outra, regulada por ele. Qual poderia ser o sentido de Deus descansar ao sétimo dia, e consagrá-lo e santificá-lo, fazendo-o antes da entrega do quarto mandamento, senão que o abençoava e santificava com respeito à humanidade? Pois não o abençoou e santificou com respeito a Si mesmo, como se, Ele mesmo, devesse observá-lo: isso seria completo absurdo. E não é razoável supor que o santificou apenas com respeito aos judeus, uma nação específica que surgiu mais de dois milênios depois.
Portanto, deve ser entendido por isso, que era Sua vontade que a humanidade devesse, seguindo Seu exemplo, trabalhar seis dias, e, então, descansar, e consagrar ou santificar o dia seguinte. E que devia santificar todo dia sétimo, ou que o espaço entre descanso e descanso, um tempo consagrado e outro, entre suas criaturas sobre a terra, devia ser de seis dias. Portanto, conclui-se daí, ser a vontade e propósito de Deus que, não apenas os judeus, mas os homens em todas as eras e nações, santificassem um dia em sete: que é o que estamos nos esforçando por provar.
4. O desígnio de Deus nessa matéria está claramente revelado no quarto mandamento. A vontade de Deus está lá revelada, não apenas para a nação israelita, mas para que todas as nações devessem guardar todo sétimo dia como santo; ou, o que é a mesma coisa, um dia depois de cada seis. Este mandamento, bem como todos os demais, é, sem dúvidas, eterno e de perpétua obrigação, ao menos em sua substância, como está implícito por ter sido gravado nas tábuas de pedra. Nem se deve pensar que Cristo aboliu quaisquer dos dez mandamentos; mas ainda há este numero completo, até ao fim do mundo.
Alguns dizem que o quarto mandamento é perpétuo, mas não no seu sentido literal; não como se designasse certa proporção particular de tempo para ser separada e devotada ao descanso literal e a exercícios religiosos. Dizem que ele prevalece apenas em seu sentido místico, isto é, que este descanso semanal dos judeus tipificava o descanso espiritual da igreja cristã; e que os que estão debaixo do evangelho não devem fazer distinção entre dias e dias, mas manter todos os dias santos, fazendo tudo de uma maneira espiritual.
Mas esta é uma maneira absurda de interpretar o mandamento, no que se refere aos cristãos. Pois se foi abolido a esse ponto, está inteiramente abolido, uma vez que é seu exato propósito fixar o tempo da adoração. O primeiro mandamento fixa o objeto, o segundo os meios, o terceiro a forma, o quarto o tempo. E, se prevalece agora apenas como se indicasse o descanso espiritual do cristão, e o santo proceder em todos os tempos, não mais permaneceria como um dos dez mandamentos, mas como um resumo deles.
A principal objeção contra a perpetuidade deste mandamento é que o dever requerido não é moral. Aquelas leis cujas obrigatoriedades surgem da natureza das coisas, e do estado e natureza gerais da humanidade, bem como da vontade revelada positiva de Deus, são chamadas de leis morais. Outras, cujas obrigações dependem meramente de instituição positiva e arbitrária de Deus, tais como as leis cerimoniais, e os preceitos do evangelho sobre os dois sacramentos, não são morais. Ora, os objetores dizem que aquiescerão a tudo que seja moral no decálogo como de obrigação perpétua; mas este mandamento, dizem, não é moral.
Mas esta objeção é fraca e insuficiente para o propósito a que pretende, isto é, provar que o quarto mandamento, na sua substância, não é de obrigação perpétua. Pois:
a) Se se deve conceder que não há moralidade anexada ao mandamento, e que o dever requerido é encontrado meramente em instituição arbitrária, não se pode, portanto, certamente concluir-se que o mandamento não é perpétuo. Sabemos que pode haver ordenanças em vigor sob o evangelho, e até o fim do mundo, que não são morais: tais como as instituições dos dois sacramentos. E por que não pode haver mandamentos positivos em vigor em todas as eras da igreja? Se instituições positivas e arbitrárias estão em vigor nos tempos evangélicos, por que se conclui que não pode haver preceito positivo dado antes dos tempos do evangelho ainda em vigor? Mas,
b) Como já observamos, a questão em geral de que deve haver certas porções fixas de tempo separadas para ser devotadas aos exercícios religiosos, é encontrada na conveniência, surgindo da natureza das coisas, e da natureza e estado universais da humanidade. Portanto, há tanta razão para que possa haver um mandamento de obrigação perpétua e universal sobre isto, como sobre quase todos os outros deveres. Pois se a questão em geral, que deve haver um tempo fixo, for fundamentada na natureza das coisas, há, consequentemente, uma necessidade dela, que o tempo seja limitado por mandamento, pois deve haver uma proporção de tempo fixada, pois, se não, o dever moral geral não poderá ser observado.
A determinação da proporção do tempo no quarto mandamento, também é fundamentada na natureza das coisas, apenas nosso entendimento não é suficiente para determiná-la em absoluto por si mesma. Já observamos que, sem dúvidas, uma proporção de tempo é, em si mesma, mais adequada que outra, e uma certa continuidade de tempo, é mais conveniente que outra, considerando o estado universal e a natureza da humanidade, que Deus sabe, embora nosso entendimento não seja perfeito o suficiente para determinar. Portanto, a diferença entre este e os outros mandamentos, não reside no fato de que os outros são achados na própria conveniência das coisas, surgindo do estado universal e da natureza da humanidade, e este não. Mas, apenas, que a conveniência dos outros mandamentos é mais óbvia ao entendimento dos homens, e eles podem vê-la por si mesmos; mas este não pode ser precisamente descoberto e positivamente determinado sem a assistência da revelação.
Portanto, o mandamento de Deus, de que o sétimo dia deva ser devotado aos exercícios religiosos, é encontrado no estado e natureza universais da humanidade, semelhantemente aos outros mandamentos; apenas a razão humana não é suficiente para determiná-lo com exatidão, sem a direção divina, embora talvez seja suficiente para determinar que não deva ser numa frequência muito maior ou menor que um dia em sete.
5. Deus aparece na sua palavra enfatizando mais abundantemente este preceito com relação ao Shabbath, que qualquer outro da lei cerimonial. Está no decálogo, um dos dez mandamentos, que foram entregues por Deus em voz audível. Foi escrito com Seu próprio dedo nas tábuas de pedra na montanha, e foi, posteriormente, ordenada a Moisés que fosse escrita nas tábuas. A guarda do Shabbath semanal é dita pelos profetas como aquilo em que consiste grande parte da santidade da vida, e está inserida entre os deveres morais, em Isaías 58:13-14: “Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no meu santo dia; se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs, então, te deleitarás no SENHOR. Eu te farei cavalgar sobre os altos da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu pai, porque a boca do SENHOR o disse.”
6. Está predito que este mandamento devia ser guardado nos tempos do evangelho; assim como no princípio, quando a observância devida do Shabbath é encarada como grande parte da santidade da vida, e colocada entre os deveres morais. Também é mencionada como um dever que seria muito aceitável diante de Deus por parte do Seu povo, mesmo quando o profeta está falando dos tempos do evangelho, como na passagem anterior de Isaías, no seu primeiro versículo. E, no terceiro e quarto versos, o profeta está falando da abolição da lei cerimonial nos tempos do evangelho, e particularmente daquela lei que proibia os eunucos de virem à congregação do Senhor. Contudo, aqui, o homem que se guarda de profanar o sábado é declarado bendito, v. 2. E mesmo na própria sentença onde os eunucos são referidos como estando livres da lei cerimonial, são referidos como ainda estando debaixo da obrigação de guardar o Shabbath, e, de fato, o guardá-lo é algo em que Deus impõe grande ênfase: “Porque assim diz o SENHOR: Aos eunucos que guardam os meus sábados, escolhem aquilo que me agrada e abraçam a minha aliança, 5 darei na minha casa e dentro dos meus muros, um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará.”
Além disso, os estrangeiros, referidos nos vv. 6 e 7, são os gentios que deveriam ser chamados nos tempos do evangelho, como é evidente pela última cláusula no v. 7, e no 8 de Isaías 56: “porque a minha casa será chamada Casa de Oração para todos os povos. Assim diz o SENHOR Deus, que congrega os dispersos de Israel: Ainda congregarei outros aos que já se acham reunidos.” Contudo, é aqui representado como dever deles guardar o Shabbath: “Aos estrangeiros que se chegam ao SENHOR, para o servirem e para amarem o nome do SENHOR, sendo deste modo servos seus, sim, todos os que guardam o sábado, não o profanando, e abraçam a minha aliança.”
7. Temos em Mt 24. 20 um argumento adicional para a perpetuidade do Shabbath: “Orai para que a vossa fuga não se dê no inverno, nem no sábado;” Cristo está, aqui, falando do fuga dos apóstolos e dos outros cristãos de Jerusalém e da Judeia, na iminência de sua destruição final, como é manifesto pelo contexto, especialmente pelos verso 16: “então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes;” Mas esta destruição final de Jerusalém foi posterior a dissolução da lei judaica, e após o estabelecimento da dispensação cristã. Porém, está claramente implícito nestas palavras de nosso Senhor que, mesmo então, os cristãos estavam obrigados a uma estrita observância do Shabbath.
Assim, mostrei que é a vontade de Deus, que todo sétimo dia seja devotado ao descanso e aos exercícios religiosos.