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A excelência de Cristo Jonathan Edwads

Ap 5. 5-6
“ Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos. 6 Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto.”
As visões e revelações que o apóstolo João teve dos eventos futuros da providência de Deus são introduzidas aqui com uma visão do livro dos decretos de Deus, onde estes eventos foram pré-ordenados. Isto é representado no versículo 1 como um livro que estava na mão direita daquele que se assenta no trono, “escrito por dentro e por fora, e selado com sete selos.” Estes livros, bastante comuns na antiguidade, eram amplas folhas de pergaminho ou papel, ou algo dessa natureza, unidas em um lado, juntadas, e depois seladas, para impedir sua abertura e divulgação. Da mesma forma, lemos do rolo de um livro em Jr 36.2. Parece que foi um livro desse tipo que João viu aqui, e, portanto, o texto nos diz que estava “escrito por dentro e por fora”, isto é, nas páginas internas bem como nas externas, nas que serviam de capa ao livro. O texto também diz “selado com sete selos”, dando a entender que o conteúdo estava perfeitamente oculto e escondido; ou que os decretos dos futuros eventos de Deus estão selados, e fora da possibilidade de serem descobertos por criaturas, até que Deus se agrade em revelá-los. O número sete, na Bíblia, geralmente, simboliza a perfeição por excelência, significando o superlativo ou grau absoluto mais perfeito de algo. Isto provavelmente se deve ao fato de Deus, no sétimo dia, haver contemplado as obras da criação terminada, e haver descansado e se rejubilado nelas, como completas e perfeitas.
Quando João viu este livro, conforme nos conta em Ap 5. 2-5: “Vi, também, um anjo forte, que proclamava em grande voz: Quem é digno de abrir o livro e de lhe desatar os selos? Ora, nem no céu, nem sobre a terra, nem debaixo da terra, ninguém podia abrir o livro, nem mesmo olhar para ele.” E ele chorava muito, porque: “ninguém foi achado digno de abrir o livro, nem mesmo de olhar para ele.” Então, nos conta como suas lágrimas foram enxugadas quando um dos anciãos lhe disse: “Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos.” Embora nenhum homem, ou anjo, nenhuma mera criatura, fosse achada digna de desatar os selos, ou de ser admitida ao privilégio de ler o livro, contudo, foi declarado, para o conforto deste amado discípulo, que Cristo foi achado tanto capaz quanto digno. E o restante do texto vai dizer exatamente isto, que Cristo toma o livro e o abre, selo a selo, revelando o decreto de Deus sobre os eventos futuros da humanidade. Então, temos neste capítulo um relato em que Cristo vem e toma o livro da mão daquele que se assenta no trono e é entoado um alegre cântico para Ele no céu e na terra nessa ocasião.
Muitas coisas podem ser observadas nas palavras do texto, mas, é meu presente propósito apenas notar os títulos, no original, que são atribuídos a Cristo aqui.
1. Ele é chamado de Leão. “Eis que o Leão da tribo de Judá”. Ele parece ser o Leão da tribo de Judá em alusão ao que Jacó disse na sua benção das tribos, no seu leito de morte. Ao abençoar Judá, compara-o a um leão: Gn 49. 9: “Judá é leãozinho; da presa subiste, filho meu. Encurva-se e deita-se como leão e como leoa; quem o despertará?” E também devido ao padrão do acampamento de Judá no deserto, no qual era exibido um leão, de acordo com uma antiga tradição dos judeus. É bem devido aos valorosos atos de Davi que a tribo de Judá, a qual ele pertencia, é comparada, na benção profética de Jacó, a um leão. Mas, mais especialmente com um olhar em Jesus Cristo, que também era dessa tribo, e era descendente de Davi, e é no nosso texto chamado de “a raiz de Davi”. Portanto, Cristo aqui é chamado de “o Leão da tribo de Judá.”
2. Ele chamado de Cordeiro. O ancião falou a João que um Leão havia vencido para abrir o livro, e o discípulo provavelmente esperava ver um leão em sua visão. Mas, enquanto esperava, eis que um Cordeiro aparece para abrir o livro, criatura de tipo muito diferente de um leão! Este é um devorador, acostumado a grandes carnificinas, e criatura alguma lhe é presa mais fácil que o cordeiro. E Cristo é aqui representado não apenas como um Cordeiro, mas um Cordeiro como tendo sido morto, ou seja, ele ainda estava com as marcas das feridas mortais estampadas em seu corpo.
O que observarei a partir das palavras do texto, como o assunto do meu presente discurso, é que:
Há uma admirável conjunção de excelências diversas em Jesus Cristo.
O leão e o cordeiro, embora criaturas de tipos muito diversos, têm as suas excelências peculiares. O leão é excelente pela força, pela majestade da sua aparência e voz. O cordeiro é excelente pela sua mansidão e paciência, e também pela natureza excelente de seu bom uso como alimento, e por servir de matéria-prima para nossa vestimenta, e ser adequado para ser ofertado em sacrifício a Deus. Mas, vemos que Cristo é no texto comparado a ambos, porque as excelências diversas de ambos maravilhosamente se encontram nele. Ao abordar este assunto, demonstrarei:
Primeiro, que há uma admirável união de excelências diversas em Cristo.
Segundo, como esta união admirável de excelências aparece nos atos de Cristo. Depois, farei uma aplicação.
Há uma união admirável de excelências diversas em Jesus Cristo.
Isto se evidencia em três coisas:
I. Há uma conjunção de tais excelências em Cristo, que, em nossa concepção, são muito diversas umas das outras.
II. Há nele uma conjunção de tais excelências tão diversas, que, de outra maneira, pareceriam inteiramente incompatíveis no mesmo objeto.
III. Estas excelências diversas são exercidas, nele, em relação aos homens que, de outra maneira, pareceriam impossíveis de ser exercidas em relação ao mesmo objeto.
I. Há uma conjunção de excelências em Cristo que, em nossa concepção, são muito diversas umas das outras.
São variadas as perfeições e excelências divinas que Cristo possui. Cristo é uma pessoa divina, portanto tem todos os atributos de Deus. A diferença entre estes atributos é principalmente relativa, e existe na nossa concepção. E aqueles que, neste sentido, são muito diversos, encontram-se na pessoa de Cristo. Menciono dois exemplos:
1. Em Jesus se encontram exaltação infinita e condescendência infinita. Cristo, sendo Deus, é infinitamente grandioso, acima de tudo e de todos. Ele é maior que todos os reis da terra, pois é o Rei dos reis e Senhor dos senhores. É maior que os céus, e mais elevado que os mais sublimes anjos celestiais. É tão grande que todos os homens, todos os reis e príncipes, são como vermes do pó diante dele. As nações não passam de um pingo que cai de um balde. Até mesmo os anjos não são nada diante dele. É tão elevado, que está infinitamente acima de qualquer de nossas necessidades, acima de nosso alcance, de forma que não lhe temos serventia. Está acima de nossas concepções, e do nosso entendimento (Pv 30.4): “Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes?” Nosso entendimento, ainda que seja estendido ao máximo, não pode alcançar sua glória divina. Jó 11.8: “Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás fazer?” Cristo é o Criador e grandioso Dono dos céus e da terra. É o soberano Senhor sobre tudo; governa sobre todo o universo e faz tudo como lhe apraz. Sua sabedoria é perfeita, e nada lhe escapa. Seu conhecimento é ilimitado. Seu poder, infinito, ninguém pode lhe resistir. Suas riquezas, imensas e inexauríveis. Sua majestade, infinitamente temível.
Ainda assim, ele é de uma condescendência infinita. Ninguém é humilde ou inferior demais para que não seja suficientemente notado pela graça amorosa de Cristo. Ele condescende não apenas com os anjos, humilhando-se para contemplar as coisas que são feitas no céu, mas também com pobres criaturas como os homens. E faz isto não apenas por causa dos grandes homens ou dos príncipes, mas daqueles do mais baixo nível e grau, os “pobres do mundo” (Tg 2.15). Os que são comumente desprezados por seus semelhantes, Cristo não despreza: “E Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são.” (1 Co 1.28) Cristo condescende ao ponto de tomar conhecimento dos mendigos, como em Lc 16. 22, e dos povos das nações mais desprezadas. Nele, não há: “bárbaro, cita, escravo ou livre” (Cl 3. 11). Ele, sendo tão exaltado, condescende em notar as criancinhas, como em Mt 19. 14: “Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim.” Sim, e mais ainda, sua condescendência é suficiente para notar graciosamente a mais indigna e pecaminosa das criaturas, aqueles que não têm méritos, e os que têm infinitos desmerecimentos.
Tão grande é sua condescendência, que é não apenas suficiente para graciosamente tomar conhecimentos destes, mas para todas as outras coisas. É grande o suficiente para tornar-se amigo deles, seu companheiro; para unir sua alma à deles em casamento espiritual. É suficiente para tomar sobre si sua natureza, tornar-se um deles, para que pudesse ser um com eles. Sim, é grande o suficiente para humilhar-se ainda mais por eles, ao ponto de expor-se à ignomínia e ser cuspido. Sim, a se entregar a uma morte vergonhosa por eles. Que ato maior de condescendência pode ser concebido? Contudo, tal ato é em favor daqueles que são inferiores e maus, miseráveis e indignos!
Tal conjunção de exaltação infinita e humilde condescendência, na mesma pessoa, é admirável. Vemos, por múltiplos exemplos, que tendência tem uma alta posição entre os homens, tornando-os de uma disposição bem diferente desta. Se um verme for um pouco mais exaltado que outro, por ter mais pó, ou uma maior porção de refugo, como ele não se exalta! Como se mantém distante dos que lhe são inferiores! E, se condescende um pouco, espera que seja grandemente reconhecido. Cristo condescende em lavar nossos pés; mas como os grandes homens (ou, antes, os maiores vermes), reputar-se-iam degradados por atos de muito menor condescendência.
2. Em Cristo se encontram justiça infinita e graça infinita. Sendo uma pessoa divina, ele é infinitamente santo e justo; odeia o pecado e está pronto a executar o justo castigo contra ele. É o Juiz do mundo, sendo infinitamente Justo, e jamais inocentará o ímpio, ou, em circunstância alguma, limpará o culpado.
Contudo, é infinitamente gracioso e misericordioso. Embora sua justiça seja tão estrita com relação a todo pecado, e a cada ramo da lei, contudo, possui graça suficiente para todo pecador, até mesmo para o principal dos pecadores. É não apenas suficiente para os mais indignos mostrar-lhes misericórdia, e conceder-lhes bens, mas conceder-lhes o maior bem; sim, sua graça é suficiente para conceder-lhes todos os bens, e fazer tudo por eles.

Não há beneficio ou benção que o homem possa receber que seja tão grande ao ponto da graça de Cristo não ser suficiente para concedê-los, mesmo ao maior dos pecadores que já existiu. E não apenas isso, mas tão grande é sua graça que ela é suficiente para suportar todas as coisas, e não apenas suportar, mas sofrer grandemente, até à morte, os mais terríveis males naturais. E não apenas a morte, mas os males mais terríveis e vergonhosos que os homens possam infligir e que poderiam atormentar apenas o corpo. Sofreu em sua alma aqueles que foram os frutos mais imediatos da ira de Deus contra os pecados daqueles que representava.

Ap 5. 5-6
Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos. 6 Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto.

II. Na pessoa de Cristo se encontram diversas excelências que são aparentemente incompatíveis umas com as outras, e que não se encontram em nenhuma outra pessoa, seja anjo, seja homem.
Vejamos alguns exemplos:
1. Na pessoa de Cristo se encontram glória infinita e a mais rebaixada humildade. Em nenhuma outra pessoa estas duas coisas se encontram. Não se encontram nas criaturas, porque nenhuma delas tem glória infinita. E não se encontram nas outras pessoas da divindade, pois embora Deus odeie infinitamente o orgulho, ainda assim a humildade não é propriamente um predicado de Deus Pai e do Espírito Santo, que existe apenas na forma divina, pois é excelência própria apenas de uma natureza criada. A humildade é um senso da pequenez e inferioridade comparativa em relação a Deus, ou da grande distância que há entre Ele e a criatura; seria, entretanto, uma contradição supor algo do tipo em Deus.
Mas em Jesus Cristo, que é tanto Deus quanto homem, encontramos estas duas excelências diversas docemente unidas. Ele é uma pessoa infinitamente exaltada em glória e dignidade. Fl 2.6: “pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus”, isto é, ele tinha a mesma glória que o Pai. “A fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou.” (Jo 5.23) Em Hb 1.8, o próprio Deus diz: “O teu trono ó Deus, é para todo o sempre”. E o mesmo culto e honra divinos que são prestados a Deus Pai pelos anjos no céu são prestados a ele: “Todos os anjos de Deus o adorem.”
Entretanto, ainda que tão exaltado acima de tudo, ninguém foi mais humilde que ele. Jamais houve exemplo maior desta virtude entre homens ou anjos. Ninguém foi tão sensível da distância que há entre Deus e o homem como o homem Jesus. Nem ninguém teve coração mais humilde diante de Deus. (Mt 11. 29) Que maravilhoso espírito de humildade ostentava quando esteve sobre a terra, em todo o seu proceder! Em seu contentamento com sua condição exterior frugal, vivendo na família do carpinteiro José e de sua mãe Maria, por trinta anos. Depois disso, escolheu a pobreza exterior, a humildade e o contentamento ao invés da grandeza terrena; em seu ato de lavar os pés aos discípulos, e em todos os seus discursos e proceder diante deles. Em ter tomado a forma de um servo durante toda a sua vida e se submetido à imensa humilhação na morte!
2. Na pessoa de Jesus se encontram majestade infinita e mansidão extraordinária. Estas também são qualificações que em ninguém se encontram a não ser em Cristo. A mansidão, quando apropriadamente descrita, é uma virtude própria da criatura. Raramente a vemos mencionada como atributo divino na Escritura, ou, pelo menos, no Novo Testamento. Pois, por ela, se subentende uma calma e quietude de espírito, que surge da humildade de seres mutáveis que estão naturalmente sujeitos à perturbação pelo assédio de um mundo tempestuoso e violento. Mas Cristo, sendo tanto Deus quanto homem, tem tanto infinita majestade quanto superlativa mansidão.
Cristo é uma pessoa de majestade infinita. Dele foi dito no salmo 45. 3: “Cinge a espada no teu flanco, herói; cinge a tua glória e a tua majestade!” É ele que é poderoso, que cavalga sobre as nuvens e com sua alteza sobre os céus. Ele é tremendo em seus santuários; mais poderoso que o bramido de grandes águas, sim, que de poderosas ondas do mar. Adiante dele vai um fogo que lhe consome os inimigos em redor, em cuja presença a terra treme, e os montes se derretem; que se assenta sobre a redondeza da terra e cujos habitantes são como gafanhotos diante de si; que repreende o mar e o faz secar, e torna os rios um deserto; cujos olhos são como chama de fogo; de cuja presença e da glória do seu poder os ímpios deverão ser punidos com eterna destruição; que é a bendita e única Potestade, o Rei dos reis, e Senhor dos senhores, que tem o céu por seu trono e a terra por estrado dos seus pés, e é o Alto e Elevado que habita a eternidade, cujo reino é eterno, e cujo domínio não tem fim.
Contudo, foi o maior exemplo de mansidão, humilde quietude de Espírito, em concordância com as profecias acerca dele, como diz Mateus 21: 4, 5: “Ora, isto aconteceu para se cumprir o que foi dito por intermédio do profeta: Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, Manso, e assentado sobre uma jumenta, E sobre um jumentinho, filho de animal de carga.” E em concordância também com o que o próprio Cristo declarou de si mesmo: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração.” (Mt 11. 29) Isto foi coerente com o que se manifestou em seu proceder, pois jamais se viu na terra comportamento mais manso com os inimigos, sob injúrias e críticas. Quando injuriado, não revidava. Tinha maravilhoso espírito de perdão, pronto a perdoar os mais vis inimigos, e orar por eles com ferventes e efetivas orações. Com essa mansidão mostrou-se à súcia de soldados que o desprezavam e dele zombavam; ficou calado e não abriu a boca, mas foi como cordeiro ao matadouro. Portanto, Cristo é Leão na majestade, e Cordeiro na mansidão.
3. Também em Cristo se encontram a mais profunda reverência a Deus e ao mesmo tempo igualdade com Ele. Cristo, quando na terra, tinha profunda e santa reverência pelo Pai. Prestou-lhe o mais reverente culto, e orou ao Pai com toda a submissão. Lemos que “de joelhos, orava” (Lc 22. 41). Assim era Cristo, no que diz respeito à sua natureza humana. Ainda que, ao mesmo tempo, sua natureza fosse divina, sendo sua pessoa, em todos os aspectos, igual a do Pai, pois este não tem atributo ou perfeição que não tenha o Filho, em igual grau e glória. Estas coisas coexistem apenas na pessoa de Jesus Cristo.
4. Há na pessoa de Cristo unidos merecimento infinito do bem, e a maior paciência sob os sofrimentos do mal. Era perfeitamente inocente, e não merecia sofrer. Nada merecia da parte de Deus por qualquer culpa sua; e não merecia a malícia dos homens. Sim, era não apenas inocente e indigno do sofrimento, mas era infinitamente digno: digno do amor infinito do Pai, da felicidade infinita e eterna, e infinitamente digno de toda estima, amor e serviço possíveis da parte de todos os homens. Contudo, foi perfeitamente paciente nos maiores sofrimentos já suportados neste mundo. Hb 12.2: “suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia.” O que da parte do Pai sofreu não foi por suas culpas, mas pelas nossas. E sofreu da parte dos homens não por suas culpas, mas devido às coisas pelas quais era infinitamente digno do amor e honra deles. Isto tornou sua paciência ainda mais maravilhosa e gloriosa. 1 Pe 2:20: “Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus. Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, 22 o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca; 23 pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente, 24 carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados.” Em nenhuma pessoa há essa união de inocência, dignidade e paciência como na de Cristo.
5. Na pessoa de Cristo estão unidos um elevado espírito de obediência com o supremo domínio sobre os céus e a terra. Cristo é o Senhor sobre todas as coisas em dois aspectos: como Deus-homem e como Mediador; nesse sentido, seu domínio é designado, e dado a ele pelo Pai. Tendo-o por delegação de Deus, é, por assim dizer, vice-regente do Pai. Mas é Senhor sobre todas as coisas em outro aspecto, isto é, pelo fato de ser, em sua natureza original, Deus. E assim, por direito natural, é Senhor de tudo, e supremo sobre tudo, tanto quanto o Pai. Tem, portanto, domínio sobre o mundo, não por delegação, mas por direito próprio. Ele não está abaixo de Deus, como supõem os arianos, mas, para todos os intentos e propósitos, é Deus supremo.
Contudo, na mesma pessoa se acha o maior espírito de obediência aos mandamentos da lei de Deus que já houve no universo; conforme manifestado em sua obediência neste mundo. Jo 14. 31: “Faço como o Pai me ordenou” Jo 15. 10: “Assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço.” A grandeza de sua obediência se mostra na sua perfeição e pelo fato de obedecer mandamentos excessivamente difíceis. Ninguém jamais recebeu mandamentos tão árduos da parte de Deus, e com tamanho teste de obediência, como Jesus Cristo. Um destes foi que entregasse a si mesmo aos terríveis sofrimentos que suportou. Veja João 10. 18: “Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou.” E Cristo obedeceu à risca, mesmo nos sofrimentos. Fl 2. 8: “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.” Nunca houve tal exemplo de obediência em homem ou anjo como este, embora fosse ao mesmo tempo Senhor supremo tanto de anjos quanto de homens.
6. Na pessoa de Cristo estão unidas soberania absoluta e perfeita resignação. Esta é uma união sem paralelos. Cristo, sendo Deus, é o absoluto soberano do mundo; aquele que soberanamente dispõe todos os eventos. Os decretos de Deus são todos soberanos; e a obra da criação, e as da providência, são soberanas. Ele é o que faz todas as coisas de acordo com o conselho de sua vontade. Cl 1. 16: “Tudo foi criado por meio dele e para ele.” Jo 5. 17: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também.” Mt 8. 3: “Quero, fica limpo!”
Contudo, Cristo foi o mais maravilhoso exemplo de resignação que já apareceu no mundo. Estava absoluta e perfeitamente resignado quando teve uma antecipação íntima e imediata dos seus terríveis sofrimentos, e do horrível cálice que estava prestes a beber. A ideia e expectativa destas coisas trouxeram enorme pesar à sua alma, até à morte, e o colocaram em tal agonia que seu suor se tornou semelhante a gotas de sangue, caindo na terra. Mas em tais circunstâncias estava completamente resignado à vontade de Deus. Mt 26. 39: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres.”
7. Em Cristo encontram-se autossuficiência e uma inteira confiança e segurança em Deus, o que é outra união peculiar à pessoa de Cristo. Como é divino, é autossuficiente, não necessitando de nada. Todas as criaturas dependem dele, mas ele, de ninguém, sendo absolutamente independente. Sua procedência do Pai, em sua eterna geração e filiação, não é prova de que haja uma dependência própria da vontade do Pai, pois esta procedência foi natural e necessária, e não arbitrária. Contudo, Cristo confiava inteiramente em Deus: seus inimigos disseram dele: “Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora.” (Mt 27. 43), e o apóstolo testifica: “Mas entregava-se àquele que julga retamente.” (1 Pe 2. 23)
III. Estas excelências diversas são exercidas, nele, em relação aos homens que, de outra maneira, pareceriam impossíveis de ser exercidas em relação ao mesmo objeto. Em particular, as três seguintes: justiça, misericórdia e verdade. Estas são mencionadas no salmo 85. 10: “Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram.” A estrita justiça de Deus, e até mesmo a sua justiça vingativa, oposta aos pecados dos homens, jamais foi tão gloriosamente manifesta como em Cristo. Ele manifestou um infinito zelo pelo atributo da justiça de Deus, pois, quando se propôs salvar os pecadores, se dispôs a suportar extremos sofrimentos para que a salvação deles não fosse ofensiva à honra desse atributo. E, como é o Juiz do mundo, ele próprio exerce estrita justiça; jamais inocenta o culpado, nem absolve o ímpio no juízo. Contudo, como a misericórdia infinita é maravilhosamente demonstrada nele em relação aos pecadores! E que graça e amor glorioso e inefável foram e são exercidos por ele! Embora seja o justo Juiz de um mundo pecador, é, contudo, também o Salvador do mundo. Embora seja fogo consumidor contra o pecado, também é a luz e vida dos pecadores. Rm 3. 25, 26: “A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; 26 tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.”
Da mesma forma, a verdade imutável de Deus, nas ameaças da sua lei contra o pecado dos homens nunca foi manifesta mais claramente do que em Jesus Cristo. Nunca houve um teste maior para a imutabilidade da verdade de Deus nestas ameaças contra o pecado, como na ocasião em que este é imputado na pessoa do Filho de Deus. Portanto, em Cristo, já foi visto o cumprimento real e completo daquelas ameaças, que jamais foi ou será visto novamente, pois levaria uma eternidade infindável para cumprir em outrem essas ameaças. Cristo manifestou um infinito zelo por esta verdade de Deus nos seus sofrimentos. E, ao julgar o mundo, faz do pacto das obras, que contém essas ameaças terríveis, sua regra de julgamento. Ele zelará por este pacto, que não seja infringido nem um i ou um til dele: nada fará em oposição às ameaças da lei, e de seu completo cumprimento. E, ainda assim, nele temos muitas e grandiosas promessas de perfeita libertação da penalidade da lei. E esta é a promessa que nos fez: a vida eterna. E nele estão todas as promessas de Deus, o sim e o Amém.
Tendo assim mostrado que há uma admirável conjunção de excelências em Jesus Cristo, prossigo agora:
Em segundo lugar, para mostrar como esta admirável conjunção de excelências aparece nos atos de Cristo.
1. Aparece no que fez ao tomar sobre si a nossa natureza. Neste ato, sua condescendência infinita mostrou-se maravilhosamente. Aquele que era Deus tornou-se homem; o Verbo se fez carne, e tomou sobre si uma natureza infinitamente inferior à sua própria! E aparece ainda mais notavelmente nas humildes circunstâncias de sua Encarnação: foi concebido no útero de uma pobre jovem, cuja carência evidenciava-se em haver ela oferecido sacrifícios por sua purificação, trazendo o que a lei permitia para as pessoas pobres: “e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na referida Lei: Um par de rolas ou dois pombinhos.” (Lc 2. 24) Isto somente era permitido caso a pessoa fosse pobre a ponto de não poder oferecer um cordeiro. (Lev 12. 8)
E, embora sua infinita condescendência assim aparecesse no modo de sua encarnação, não obstante, sua dignidade divina também nela se mostrou; pois mesmo concebido no útero de uma pobre virgem, foi ali concebido pelo poder do Espírito Santo. Sua dignidade divina também apareceu na santidade de sua concepção e nascimento. Embora gerado no útero de uma representante da raça corrupta da humanidade, foi, contudo, concebido e nascido sem pecado, como disseram os anjos à Virgem bendita: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.” (Lc 1. 35)
Sua condescendência apareceu maravilhosa na forma do seu nascimento. Ele nasceu em um estábulo, pois não havia lugar para eles no alojamento. Este estava ocupado por outros, que eram considerados pessoas de maior importância. A bendita Virgem, sendo pobre e desprezada, foi rejeitada e impedida de entrar. Embora estivesse necessitada pelas circunstâncias, aqueles que se consideravam superiores não lhe deram espaço; e, daí, no momento das dores de parto, foi forçada a mover-se para um estábulo; e quando nasceu a criança, foi envolta em faixas, e deitada em uma manjedoura. Lá, Cristo era uma criancinha; e apareceu eminentemente como um cordeiro. Contudo, esta frágil criança, nascida assim em um estábulo, e posta em uma manjedoura, nascia para conquistar e triunfar sobre Satanás, esse leão rugidor. Veio para subjugar os grandes poderes das trevas, e expô-los publicamente ao desprezo e assim restaurar a paz na terra, e manifestar a boa vontade de Deus aos homens, e trazer glória ao Pai nas alturas, de acordo com o propósito de seu nascimento declarado pelos cânticos de júbilo das gloriosas hostes de anjos que apareceram aos pastores ao mesmo tempo em que a criança jazia na manjedoura, pelo que foi manifesta sua divina dignidade.
II. Esta admirável conjunção de excelências aparece nos atos e nas várias ocasiões da vida de Cristo. Embora habitasse em condições exteriores humildes, o que demonstra sua condescendência e humildade, e sua majestade fosse velada; contudo sua dignidade e glória divina, em muitos de seus atos, brilharam através do véu, ilustrando claramente que ele era não apenas o Filho do homem, mas o grande Deus.
Assim, nas circunstâncias de sua infância, sua humildade exterior apareceu; contudo, houve então algo que mostrou sua dignidade divina, quando os magos foram impelidos a vir do oriente prestar-lhe honra, sendo miraculosamente conduzidos por uma estrela, e vindo e prostrando-se e o adorando, presenteando-o com ouro, incenso e mirra. Sua humildade e mansidão apareceram maravilhosamente em sua sujeição a sua mãe e ao pai de consideração, quando era uma criança. Nisso apareceu como um cordeiro. Mas sua glória divina brilhou quando, aos doze anos, disputou com os doutores no templo. Nisso apareceu, em certa medida, como o Leão da tribo de Judá.
E assim, após ter iniciado seu ministério público, sua maravilhosa humildade e mansidão foram manifestas em ter ele escolhido aparecer em circunstâncias tão exteriormente empobrecidas; e em estar contente com elas, quando era tão pobre que não tinha onde reclinar a cabeça, e dependia da caridade de alguns dos seus seguidores para a sua subsistência; como é narrado no início de Lucas 8. Como era manso, condescendente e familiar no seu trato com os discípulos, em seus discursos para eles, em que os tratava como o pai aos filhos; sim, como um amigo e companheiro. Como era paciente, suportando aflições e reprovações, e tantas injúrias da parte dos escribas e fariseus, e de outros. Nestas coisas, era como um Cordeiro. Contudo ele, ao mesmo tempo, de muitas maneiras apresentava sua majestade e glória divinas, em particular nos milagres que realizava, que eram evidentes obras divinas, e manifestavam poder onipotente e assim declaravam-no como o Leão da tribo de Judá. Suas obras maravilhosas e miraculosas claramente demonstravam-no como o Deus da natureza; no fato de que nelas se evidenciava que tinha toda a natureza em suas mãos, e poderia pôr nela um freio, parando e mudando seu curso conforme desejasse. Ao curar o doente, e abrir a vista ao cego, e permitir que os surdos ouvissem, e ao curar o aleijado, mostrou que era o Deus que estruturou o olho, e criou o ouvido, e que era o autor da estrutura do corpo humano. O morto, ao ressuscitar às suas ordens, evidenciou que ele era o autor e fonte da vida, e que “com Deus, o SENHOR, está o escaparmos da morte.” Ao andar por sobre o mar na tempestade, quando as ondas se levantavam, mostrou ser aquele Deus de quem se fala em Jó 9. 8: “Quem sozinho estende os céus e anda sobre os altos do mar.” Ao parar a tempestade, e acalmar a fúria do mar, pela sua poderosa ordem dizendo: “Acalma-te, emudece!” mostrou que tem o controle do universo, e que é aquele Deus que faz as coisas acontecerem pela palavra do seu poder, que fala e acontece, que ordena e se mantém firme: “Que aplacas o rugir dos mares, o ruído das suas ondas e o tumulto das gentes.” (Sl 65. 7) “Fez cessar a tormenta, e as ondas se acalmaram.” (Sl 107. 29) “Ó SENHOR, Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu és, SENHOR, com a tua fidelidade ao redor de ti?! 9 Dominas a fúria do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as amainas.” (Sl 89. 8,9)
Cristo, ao expelir demônios, apareceu distintamente como o Leão da tribo de Judá, e mostrou ser mais forte que o leão rugidor, que busca a quem devorar. Ele ordenou que saíssem, e foram forçados a obedecer. Estavam terrivelmente amedrontados dele; caíam de joelhos e o rogavam que não os atormentassem. Ele força uma legião inteira deles a abandonar seu hóspede, por sua poderosa palavra; sem sua permissão, nada puderam fazer senão entrar nos porcos. Ele mostrou a glória da sua onisciência, declarando os pensamentos dos homens; como frequentemente nos é relatado. Desse modo, aparece como o Deus de quem se fala em Amós 4. 13: “Porque é ele quem forma os montes, e cria o vento, e declara ao homem qual é o seu pensamento.” Assim, em meio à sua humildade e humilhação, sua glória divina mostrou-se em seus milagres, Jo 2. 11: “Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.”
E embora Cristo tenha ordinariamente aparecido sem sua glória exterior, e em grande obscuridade, contudo, certa vez tirou o véu, e exibiu-se em sua majestade divina, até onde podia ser manifesta aos homens no seu frágil estado, quando foi transfigurado no monte. O apóstolo Pedro afirma: “mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade, 17 pois ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra e glória, quando pela Glória Excelsa lhe foi enviada a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.” (2 Pe 1. 16, 17.

E ao mesmo tempo costumava aparecer em tal mansidão, condescendência e humildade, em seus discursos familiares com seus discípulos, aparecendo assim como o Cordeiro de Deus; também costumava aparecer como o Leão da tribo de Judá, com autoridade e majestade divina, ao repreender tão severamente os escribas e fariseus e outros hipócritas.

Esta conjunção admirável de excelências aparece notavelmente ao se oferecer como um sacrifício pelos pecadores em seus últimos sofrimentos. Uma vez que esta foi a maior de todas as coisas na obra da redenção, o maior dos atos de Cristo nessa obra, então neste ato se mostra em especial essa admirável conjunção de excelências que estamos mencionando. Cristo nunca apareceu mais como um cordeiro do que em sua morte: “como cordeiro foi levado ao matadouro.” (Is 53. 7). Foi então ofertado a Deus como um cordeiro inculpável e sem mancha: aí especialmente ele se mostrou como o antítipo do cordeiro pascal (1 Co 5. 7): “Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado.” Contudo, nesse ato ele se mostrou de uma maneira especial como “o Leão da tribo de Judá”; sim, nisto, acima de tudo, de muitas maneiras, como se pode evidenciar pelas seguintes coisas:
1. Nesse momento Cristo estava no maior grau de sua humilhação, porém, por esse motivo, acima de tudo, sua glória divina aparece. A humilhação de Cristo foi grande, em nascer em tal condição, de uma pobre virgem e em um estábulo. Sua humilhação foi grande, em se sujeitar ao carpinteiro José e à sua mãe Maria, e depois, ao viver na pobreza, a ponto de não ter onde reclinar a cabeça; e em sofrer reprovações manifestas e amargas, enquanto seguia pregando e realizando milagres. Mas sua humilhação nunca foi tão grande como nos seus últimos sofrimentos, começando com sua agonia no jardim, até que expirasse na cruz. Nunca foi sujeito a tal ignomínia como então; jamais sofreu tanta dor no seu corpo, ou tanto pesar na sua alma; nunca houve maior exercício de sua condescendência, humildade, mansidão e paciência, como ocorreu nestes últimos sofrimentos; jamais foi sua glória e majestade divinas cobertas com véu tão denso e nunca, nunca esvaziou a si mesmo ou abriu mão de sua reputação, como dessa vez. Contudo, nunca sua glória divina foi tão manifesta, por nenhum de seus atos, como neste de entregar-se a esses sofrimentos. Quando veio a se mostrar o fruto disso, e o desfecho do mistério e propósito dessas coisas a ser desvendado, então a sua glória verdadeiramente apareceu. Mostrou-se como o ato mais glorioso de Cristo que jamais foi exercido em relação à criatura. Este seu ato é celebrado pelos anjos e exércitos dos céus com peculiares louvores, como aquele que é acima de todos glorioso, como você pode ver no contexto, Ap 5. 9-12: “E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor.”
2. Ele jamais, em ato algum, deu uma manifestação maior de amor a Deus, contudo, nunca manifestou tanto seu amor para com aqueles que eram inimigos de Deus, como nesse ato. Cristo jamais fez algo em que seu amor pelo Pai tenha sido tão eminentemente manifesto, como em derramar sua vida, sob sofrimentos tão inexprimíveis, em obediência ao seu mandamento, e pela vindicação da honra de sua autoridade e majestade; nem jamais qualquer mera criatura deu tal testemunho de amor a Deus como esse. Contudo, esta foi a maior expressão do seu amor pelos homens pecadores, que eram inimigos de Deus (Rm 5. 10): “nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho.” Por ser um amor que morre, a grandeza do amor de Cristo por eles a nada é comparável. Aquele sangue que caiu em grandes gotas sobre o chão, na sua agonia, foi derramado por amor aos inimigos de Deus e aos seus próprios. Aquela ignomínia e os cuspes, aquele tormento do corpo e a terrível dor, até à morte, que suportou na alma, foi o que suportou por amar rebeldes contra Deus, para salvá-los do inferno, e para adquirir-lhes glória eterna. Cristo jamais mostrou tão eminentemente seu respeito pela honra de Deus, como ao oferecer a si mesmo como uma vítima para a justiça. Contudo, nisso, acima de tudo, manifestou o seu amor para os que desonraram a Deus, e trouxeram sobre si culpa tal que coisa alguma poderia expiar a não ser o sangue de Cristo.
3. Cristo jamais se mostrou tão supremamente a favor da justiça divina, e, contudo, jamais sofreu tanto da parte da justiça divina, como quando ofereceu a si mesmo pelos nossos pecados. Nos seus grandes sofrimentos, seu infinito respeito pela honra da justiça de Deus aparece distintamente; pois foi por respeito a ela que ele se humilhou. Contudo, nestes sofrimentos, Cristo foi a marca das expressões vindicativas dessa mesma justiça de Deus. Justiça vingativa que dispensou nele todo o seu rigor, devido às nossas culpas; que o fez suar sangue, e clamar na cruz, e provavelmente rasgar seus órgãos vitais - partiu seu coração, a fonte do sangue, ou alguns outros vasos do corpo – e devido à violenta fermentação tornou seu sangue em água. Pois o sangue e a água que emergiram de seu lado, quando estocado pela lança, parecem ter sido sangue extravasado; e assim parece ter havido um cumprimento literal do Salmo 22. 14: “Derramei-me como água, e todos os meus ossos se desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se dentro de mim.” E esse foi o modo e o meio pelo qual Cristo se levantou pela honra da justiça de Deus, isto é, por ter sofrido desse modo sua terrível execução. Pois quando havia se encarregado dos pecadores, e tomado o lugar deles como substituto, a justiça divina não poderia ter sido mais honrada senão ao tomar os seus sofrimentos como vingança. Nisto, exibiram-se as diversas excelências que se encontram na pessoa de Cristo, no seu infinito cuidado pela justiça de Deus, e no seu amor por aqueles que se expuseram a ela, que desse modo o induziram a se entregar como sacrifício a ela.
4. A santidade de Cristo jamais brilhou de modo tão ilustre quanto nos seus últimos sofrimentos; contudo, em instância alguma foi ele considerado mais culpado. A santidade de Cristo jamais enfrentou teste semelhante a este; portanto, jamais se manifestou tão superior como então. Quando foi testado neste forno, dele surgiu como ouro, ou prata purificada sete vezes. Sua santidade se mostrou então, acima de tudo, na sua busca resoluta pela honra de Deus, e em sua obediência a ele. Pois o seu ato de se entregar até a morte foi transcendentalmente o maior ato de obediência que jamais foi prestado a Deus desde a fundação do mundo.
Contudo, foi Cristo nessa ocasião tratado como nunca à semelhança de um ímpio. Foi preso e atado como um malfeitor. Seus acusadores o apresentaram como o mais miserável dos ímpios. Nos seus sofrimentos anteriores à crucificação, foi tratado como se fosse o pior e mais vil dos homens; e foi, então, entregue a um tipo de morte que ninguém, a não ser a pior classe de malfeitores, costumava sofrer, aquelas que eram as mais abjetas pessoas, culpadas dos mais negros crimes. E sofreu como um ferido de Deus, em razão da nossa culpa imputada a ele; pois aquele que não conheceu pecado, foi feito pecado por nós; se sujeitou à ira, como se fosse ele mesmo um pecador. Foi feito maldição por nossa causa.
Cristo jamais deu maior mostra de seu ódio pelo pecado cometido contra Deus, como ao morrer para remover a desonra que o pecado causou a Ele; contudo, jamais se sujeitou tanto aos terríveis efeitos do ódio divino pelo pecado, e de sua ira contra ele, como nessa ocasião. Nisso, aparecem aquelas excelências diversas unindo-se em Cristo, isto é, amor a Deus, e graça aos pecadores.
5. Ele, em circunstância alguma, foi mais considerado como indigno do que nos seus últimos sofrimentos; porém, é especialmente por eles que é reputado como digno. Nele, foi tratado como indigno de viver; o povo clamava: “Fora! Fora! Crucifica-o!” João 19. 15. E preferiram Barrabás a ele. E sofreu da parte do Pai como alguém de infinita indignidade, pelas nossas indignidades que estavam sobre ele. Contudo, foi especialmente por esse ato de se sujeitar a esses sofrimentos que adquiriu méritos, e por eles foi reputado digno da gloria da sua exaltação. Fl 2. 8, 9: “A si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira.” E vemos que é especialmente por este motivo que é louvado como digno pelos santos e anjos no contexto de Ap 5. 12: “Digno é o Cordeiro que foi morto.” Isto mostra uma admirável conjunção nele de infinita dignidade, e infinita condescendência e amor para os infinitamente indignos.
6. Cristo em seus últimos sofrimentos sofreu mais intensamente da parte daqueles por quem manifestava seu maior ato de amor. Jamais sofreu tanto da parte do Pai (embora não por ódio a ele, e sim pelos nossos pecados), pois Deus o esqueceu, ou retirou o conforto de sua presença; e então “agradou ao SENHOR moê-lo, fazendo-o enfermar”, como diz Is 53. 10. Contudo, jamais deu manifestação maior de amor a Deus como então, como já foi observado. Da mesma forma, Cristo jamais sofreu mais das mãos dos homens, porém nunca esteve em mais elevado exercício de amor para com eles. Jamais foi mais maltratado pelos discípulos, que estavam tão despreocupados com seus sofrimentos que não puderam vigiar com ele sequer por uma hora, na sua agonia; e quando foi preso, todos o abandonaram e fugiram, exceto Pedro, que o negou com juramentos e maldições. Contudo, ele sofreu e derramou seu sangue, e derramou sua alma na morte por eles. Sim, provavelmente estava então derramando seu sangue por alguns daqueles que derramaram o seu próprio; por quem orou enquanto o crucificavam e que provavelmente foram atraídos para o lar de Cristo pela pregação de Pedro. (Compare Lucas 22. 34, Atos 2. 23, 36, 37, 41, Atos 3. 17 e Atos 4. 4) Isto mostra um admirável encontro de justiça e graça na redenção de Cristo.
7. Foi nas últimas dores de Cristo, acima de tudo, que foi entregue ao poder de seus inimigos; contudo, por elas, acima de tudo, obteve vitória sobre eles. Cristo jamais esteve tão entregue nas mãos de seus inimigos como no tempo de seus últimos sofrimentos. Eles buscaram sua morte antes, mas foram impedidos de tempos em tempos, e ele escapou de suas mãos; e a razão foi dada, de que não era chegada ainda a sua hora. Mas agora lhes foi permitido cumprir sua vontade nele; foi em grande grau entregue à malicia e crueldade tantos de ímpios quanto dos demônios. E, portanto, quando os seus inimigos vieram prendê-lo, lhes disse: “Diariamente, estando eu convosco no templo, não pusestes as mãos sobre mim. Esta, porém, é a vossa hora e o poder das trevas.” (Lc 22. 53).
Contudo, foi principalmente por intermédio desses sofrimentos que conquistou e subjugou seus inimigos. Cristo jamais feriu com mais eficácia a cabeça de Satanás do que quando Satanás feriu seu calcanhar. A arma com que lutou contra o diabo, e obteve a mais completa vitória e glorioso triunfo sobre ele, foi a cruz, o mesmo instrumento e arma com a qual ele pensou ter derrotado Cristo, e que lhe trouxe vergonhosa destruição. Cl 2. 14, 15: “Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz.” Em seus últimos sofrimentos, Cristo minou os próprios fundamentos do reino de Satanás; triunfou sobre seus inimigos em seus próprios terrenos, e os derrotou com suas próprias armas, à semelhança de Davi, que cortou a cabeça de Golias com sua própria espada. O diabo havia, por assim dizer, engolido a Cristo, como o peixe fez com Jonas; mas isto lhe foi um veneno mortal; ele se deu uma ferida letal em suas próprias entranhas. Breve ele estava doente de seu manjar, e foi forçado a fazer com ele o mesmo que o peixe fez com Jonas. Até hoje está aflito por causa daquele que, então, engoliu como presa. Nos sofrimentos de Cristo, foi estabelecido o fundamento da gloriosa vitória que já havia obtido sobre Satanás, na destruição do seu reino pagão no império romano, e todo o sucesso que o evangelho teve desde então; e também de todas suas futuras e ainda mais gloriosas vitórias que devem ser obtidas na terra. Assim o enigma de Sansão é mais plenamente cumprido, Jz 14. 14: “Do comedor, saiu comida, e do forte saiu doçura.” E assim o verdadeiro Sansão mais faz pela destruição de seus inimigos na sua morte que em sua vida; ao entregar-se para a morte, derruba o templo de Dagom, e destrói muitos milhares de seus inimigos, mesmo enquanto se divertem nos seus sofrimentos; e aquele de quem a arca era um tipo, demole Dagom, e quebra sua cabeça e mãos, em seu próprio templo, ainda quando é até lá trazido como cativo do deus filisteu.
Desse modo, Cristo aparece ao mesmo tempo, e no mesmo ato, tanto como um leão quanto como um cordeiro. Apareceu como um cordeiro nas mãos de seus cruéis inimigos; como um cordeiro nas garras e entre as mandíbulas devoradoras de um leão rugidor; sim, foi um cordeiro de fato morto por este leão: contudo, ao mesmo tempo, como o Leão da tribo de Judá, conquistou e triunfou sobre Satanás, destruindo seu próprio devorador; como Sansão fez ao leão que rugiu em sua direção, quando o rasgou como faria com um garoto. E em nada Cristo apareceu mais como um leão, gloriosamente destruindo seus inimigos, como quando foi levado como um cordeiro ao matadouro. Na sua maior fraqueza, ele foi mais forte; e quando sofreu o máximo de seus inimigos, trouxe sobre eles a maior confusão. Assim, essa admirável conjunção de excelências diversas foi manifesta em Cristo, ao oferecer-se a si mesmo a Deus em seus últimos sofrimentos.
IV. Ainda é manifesto em seus atos, no seu presente estado de exaltação no céu. De fato, em seu estado exaltado, ele aparece mais eminentemente na manifestação destas excelências, pelo que é comparado a um leão; mas, ainda assim, mostra-se como um cordeiro. (Ap 14. 1): “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião.” De modo semelhante, no seu estado de humilhação mostrou-se principalmente na figura do Cordeiro, porém não se mostrou sem a manifestação de sua divina majestade e poder, como o Leão da tribo de Judá. Embora Cristo agora esteja à mão direita de Deus, exaltado como o Rei do céu, e Senhor do universo, ainda subsiste, entretanto, na natureza humana, ainda é excelente em humildade. Embora o homem Jesus Cristo seja a mais alta das criaturas no céu, contudo, ele a todas sobrepuja em humildade como o faz em glória e dignidade.
 
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